domingo, 19 de agosto de 2012

Conto de UM SÓ HOMEM




Viu flores lá embaixo. O ar a sua frente adocicou-se, de modo que a cabeça, sempre pesada àquela hora do dia, inclinou-se automaticamente, como farejando. Tola! Como se fosse possível alcançar algo a tantos metros de distância. Deu conta do engano dos sentidos, era um cheiro de imagem!? Interrogou a sí mesmo, um alienígena lhe pregava peças nos sentidos. Indagou com os olhos as ultimas informações do quadro urbano. Lá embaixo, contemplava grandes flores orientais amparadas em pesados cabelos negros, era uma menina. Tão pequena parecia dali. Destoante da multidão em saltos, tanto pela cor dos cabelos de flor, colorido natural em meio ao odor dos ocres e  metálicos artificiais; quanto por seus gestos simples, próprio das crianças, das que sorriem com o vento.   
Será mesmo bela? Pergunta calado o infeliz que já duvidava do que podia realmente conhecer. Do alto do prédio, ídolo de concreto que abraçava em sombras os milhares de uniformes ambulantes, esbarrando-se impassivos, trocando odores, cartões, caretas, às vezes a carteira (surrupiada por um anônimo, faminto ou cleptomaníaco). Nunca, entretanto, um olhar, porque olhar era um crime na multidão. Importunar outro espirito com seu reflexo, dando ciência ao corpo cansado dos seus problemas. Não era de bom modo. Certo era olhar para o horizonte, que fosse o horizonte do próximo cruzamento, do próximo supermercado ou favela.
Era o mundo dos homens! Sempre em escalas (concluía a ideia fugidia). Comprimia os olhos, como se com isso mudasse a lente, podendo ver mais de perto, talvez, distinguir indivíduos naquele cordão veloz de formigas. Sussurrando baixo a sua unica real companhia, a senhora consciência.  – É a poeira do céu, os fios de cabelo branco, a ruga abaixo dos olhos, o chiclete na boca, a garganta seca, o ácido no estomago, as moedas no bolso, o calor das pernas, a lama impregnada nos sapatos, as baratas cegas delirantes, os vermes do subsolo, o núcleo quente e denso, o magma que mantém a turba. E soma-se tudo de novo. Lógica de esfera. Vida humana em um risco de tempo, um esplendor do simples misturado ao asco do medíocre.
Por essas e outras ficava em cima do prédio o homem, esperava aquela massa escorrer pelas ruas, perdendo-se na furiosa corrente do cotidiano. À noite quando os barulhos eram reduzidos aos gemidos de fome e alucinação, ia também ele, recolher-se em seu buraco frio de sonho perturbado. A cena se repetia cotidianamente, de estranhar pela pontualidade. Os companheiros de trabalho incomodavam-se com a situação. Um hábito curioso, perder as preciosas horas de folga, sentado! Esquisitice surravam os de gel no cabelo. Tendência suicida diagnosticava o de sapatos engraxados. Ao ser de carne e osso submetido ao olho do sol no fim da tarde, pouco importava as opiniões. Previsíveis são os homens e é da sua condição natural adaptar-se, julgando o mais rápido possível, precaução da sobrevivência. Pensou tudo entre duas compressões do pulmão, era tudo que tinha a dizer sobre sua fama no trabalho (era ele também homem).     
       Naquele dia, esteve ali sentado por algum tempo. Talvez mais que o comum? Quem saberia? Mesmo para os que cuidavam da sua vida, os fofoqueiros do trabalho, seria anormal  deixar a rotina para vigiar seu hábito. Ele tinha sim um relógio, nunca, porém conferia as horas antes de sair da sala de trabalho e tendo certeza que a empresa alterava as horas esticando um pouco mais o dia, era impossível ter uma base para acercar-se a quanto tempo estava ali. Levantou as vistas do relógio notando que a luz do ambiente se esvaia. O sol espiou a ultima vez os rostos rígidos e baixou a face no horizonte. O homem, que já pensava em partir refletiu ainda, em retrospectiva, o havia o incomodado durante a primeira olhada lá embaixo. Apesar do vento áspero que anunciava a noite, perdeu-se ainda um momento, suspirou como que tragando a lembrança. - Ha, sim, vi uma pequena menina de flores na cabeça. E refez a pergunta que o acompanhava  desde as luzes da juventude. - Era mesmo bela, a menina, a esperança, a fragilidade humana?
[L.B]

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

ZUMBI

Um, levantou-se logo, apresado limpou-se. Seguia a risca os figurinos da boa figura. Em outro espaço saia sorrateiro do sanatório, o outro. Este aproveitou que os certos tem medo de escuro e correm das poeiras da lua. Já na rua, ouvia mil sons. O certo, da janela do ônibus (quadro onde, cotidianeamente, pintava sua arte de certeza) observou. A cena:   


Zumbi!
De zumbir, som
que lhe abala as carnes
opera do perturbadado.
persegue notas coloridas com os olhos
dança abraçado a si mesmo
abrasado em camisa de força. Sorri
feliz, triste, abobado
jamais abandonado pelo belo.

Louco! Grita
agudo o Certo.
De terno. Vestido em linho
engomado, empossado
do trono asséptico, lousa cara. Clara
como sua cara branca, a mesma
que sustenta julgadoras rugas fundas.

Zumbi!
Das carnes podres.
Velho. Verme
fujão, figura fugaz,
do que está morto!
Segue a massa. Seja
como a massa que se aborta do estomago (vômito).
[L.B]