A
atmosfera era um pouco taciturna. Olhos velhos baixam-se imóveis, correndo
lentos, mas contínuos, enquanto todo resto do corpo permanecia imóvel,
petrificado. Tanto que em uma observação comparada poderia se dizer que as
imagens barrocas impressas no atlas artístico posto aberto sobre a mesa, tinham
versões tridimensionais nesses leitores de penumbra. Considerações que já havia
feito em muitas oportunidades: sobre a sabedoria insana das rugas, tomavam
novamente o palco da minha mente. Uma sede infinita seca a pele desses velhos
ratos de biblioteca. A mesma sede, de luz, que seca as folhas das arvores no
ciclo das estações. Uma procura previamente desencontrada, ou melhor, uma
procura pelo desencontro incansável. Prolixos são os livros, em prosa, verso e
ao reverso, em argumentos duros. As palavras aprenderam o ciclo da vida e se decompõe,
renascem, recompõe, metamorfoseiam... No geral os velhos procuram saber,
tornando-se vermes que roem e nutrem as ideias, principalmente as mais apaixonadas.
Para mim essas figuras de madeira molhada eram quase tão interessantes quanto
os livros. Quase, porque havia ainda algo de leitor jovem em mim. Uma euforia irredutível
que por vezes saltava me fazendo devorar letras umas sobre as outras. Sem
preocupação de ordem, sem organização dos títulos ou prudência racional, apenas
fome frenética. Fome que se esvaiu por um puro acaso.
Interessante
que as bibliotecas sejam espaços públicos, aonde as pessoas de toda forma vem e
vão a todo tempo. Onde se cochila, esconde e onde o tempo passa lento comovendo-se
fácil aos pensamentos. Aos jovens é comum observar alguém olhando para o teto,
perdido nos pés da mesa, fazendo careta para uma capa clássica. Isso porque existe
um imperativo de dominação que sentem esses espíritos juvenis, ainda não
oxigenados pelo tempo. Ademais de tudo isso, o que mais admira é que o material
dos livros congrega uma quantidade de histórias. Os empréstimos contínuos
formam peças de museu nas paginas: um pouco mais amareladas onde passam os
dedos, nas bordas pintadas com café ralo e no interior recheadas de objetos
esquecidos. E por vezes esses objetos te tocam fundo e dão outra cara aos caos
que esperamos lá fora.
De querer
saber tudo ao mesmo tempo por vezes me sentei mesmo no chão da biblioteca, ali
era mais próximo dos livros, e entre as prateleiras estreitas sentia-me mesmo
desbravador do quenio da vida. E folheava tão rápido que às vezes nem me dava conta
do que tinha sobre as mãos. Uma vez fazendo isso, euforicamente, com as paginas
de uma literatura clássica, fui irremediavelmente detido. A obra, pesada, de capa
preta dura, austera, cheia da consistência imponente da fama de suspiros,
guardava algo maior, que revelado aos meus sentidos subordinaria aquele estado
tolo. Entre as folhas ultimas repousava uma flor silvestre, lilás, de pétalas suaves.
Tanto inacreditável pelo tempo que parecia estar ali. Não havia nenhuma
informação dada sobre a vida daquela flor, nem precisei, soube quando há vi, que
carregava um segredo antigo, tão simples de ser dito que eram desnecessárias as
palavras, escritas ou faladas. Meu coração palpitou, as mãos suaram e as pernas
tremeram para que corresse em direção ao sol.
Entre
as nervuras finas que carregavam água para as pétalas li tudo sobre o amor,
claro assim com traços simples, congênitos da primavera. E quando repousei a
flor sobre meu peito resolvi, quando pisquei, que não mais me interessava
devorar os livros, tornei-me um pouco mais velho, um pouco mais madeira
molhada, esculpido pelas correntes. Adornado por aquela flor que guardei no
coração. Ainda leio livros, sem as penumbras dos velhos ratos, sem a euforia
dos jovens, apenas com companhia válida para vida, minha flor.