sábado, 30 de novembro de 2013

ANÚNCIO






Entre vidros intercalados
e o abafado movimento
que dos corpos povo faz, massa comprimida,
a piada máxima se apresenta,
em cartaz: menina urbana.
Corre rápido em meus olhos e gruda à consciência.
De quem fala Deus consumo?
Das meninas magras, tortas entre as sarjetas estupradas.
Ou doutras,
de braços finos a trabalhar caladas,
com o chicote da fome a descarnar o colorido da alma.

Os dentes abre, caninos, sobre minha voz,
sarcástico sorri em resposta.
Uma dura face plástica mostra,
rude, miséria, fútil.

Na rua seguem anúncios.                                   
Oferecem bom coração.
Comida verde, crocante, brilhante.
Saúde de guarda
e guarida aos medos frívolos.
Tudo se compra logo ali.
Um depois do outro pode se ter
e amanhecer contente
em travesseiros mornos.

Abre os olhos
O mundo gira
mais uma folha cinza se desprende, pesada.
E o frio, do velho apático arranca o ultimo suspiro.
Congelado entre papelões molhados.
Morte! Sopra vidas ao abismo,
destino bom aos desgarrados,
inferno aos carniçais de méritos médios

e fácil contentamento.   

CONQUISTA


Quando doura o céu ao fim da tarde
pedindo um plano de enquista,
um mapa astral, genético, cultural
que revê-le o que queremos,
o que seremos amanha:
Na multidão
Acotovelam-se ou rezam
para sobressaírem à frente
com brados heróicos, atropelando-se,
por uma soberba conquista ou
frívola vitória.
Um elefante branco – gesso –   
Decorado com marfim,
paquiderme que fora antes do ataque
vida andante sobre a savana.
Para as perguntas que assim me aparecem,
Nego a salivar,
Apresso o corpo a consolar-me na caverna de barro amarelo,
onde pintei nas paredes
todos os dias desse ano
formas com pigmento naturais.
Apeteço da lua lá fora
Lembro uns olhos – seus –
Que palpitam meu peito
Então sei do que quero ser
- calado –
Qualquer coisa ao seu lado.
Uma folha a rolar nas montanhas do seu corpo.
Uma concha a dormir no profundo dos seus lábios.
[L.B]

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

OS VAI E VENS E O AMOR





Ainda que de muito venhamos, a saber, nada saberemos realmente. Ao menos não desse saber esquadrinho. Sempre haverá no oceano aquele fundo oculto de um abismo, onde a vida pulsa diferente e existe por resistência uma luz. Os organismos criam luz própria, e por assim ser, seus olhos se fazem grandes. A pergunta certa a se fazer então, não é sobre as extensões a desvendar. Antes, é qual tamanho dos nossos olhos. Quem diria vir à mente todas essas perguntas por um simples gesto de observar um aquário. Quadro pequeno de vidro, peixes. Monótono e repetitivo aos que transitam apressados. Ao mesmo tempo, esclarecedor e verdadeiro, para os que param de olhos grandes. Quem diria também, que o açúcar, contra indicado a um velho, viria a formar energia para alimentar tal deslumbre de pensamento. E quando a mente vaga, quando os peixes movem-se contra as correntes internas daquela caixa, precipita o coração, tremulam as mãos e correm os pés a sentar-se, na varanda, sob o céu azul. A cadeira de balanço pende, volta, como as ondas no lençol d’água, como as pálpebras que descortinam os olhos, como o pulso que rega o corpo e tudo isso resume uma memória, um acalento, que faz do amor (de amar) uma quietude sabia de velho. 
Ha, mais aos que ali passam de canto dobrando a vista sobre a situação, concluem não passar tudo de uma rotina maçante. Todos os dias, sempre as mesmas horas, mantém aquele velho a face vidrada no horizonte. - Qual horizonte, dizem, se não caminha a lugar algum, esta sempre a balançar-se para lá e para cá, repetitivamente, todas as tardes. Mal sabem os senhores em seus afazeres – pois seria à suas gravatas, ainda mais impressionante – que aquelas rugas também se sentam ali, na mesma posição, durante as manhas e as noites. E que seu dia é a infinitude da linha azul do céu, onde pousa a paz e a esperança das nuvens. E das impressões, do velho sobre os peixes e dos caminhantes sobre o velho, e vice e versa para os três, deduz-se que a todos, sempre há outros a criar aquários, sempre há aqueles que não podem ver o esforço da vida, e não respiram mais que para ter fôlego.
           Pela curiosidade de quem vê onipresente o caso, terá que se perguntar. Acho que por ser eu mesmo, vestido de velho a balançar-me em uma cadeira, de olhos fixos a áurea celeste a procurar as linhas que firmam a magnitude e as estrelas, e se descubro, corro a colher um pedaço para unir-me a uma também, uma de nome definido e brilho inconfundível. Perguntar-se sobre amor ou amar, és um sujeito – amor – em nós ou uma fúria de movimento – amar. A resposta ainda parece impossível, porque tenho amor como uma ideia, energia luz que me aquieta, e tenho-o também como amar, um frenesi nos pés para encontra-la. 

TEMPESTADE


Jatos, naves, motores. Tudo aos pés cansados, envoltos de malemolência. Os caminhos do homem perderam destino! As máquinas o carregam! Infortunamente, é maior o desgaste, ser levado à lugares detestáveis, de aço maciço. Grandes barras, grossas, cinzas. Telas, chips, configurações. Estão montadas as peças metálicas de barulho escandalosamente sintético. Saltam imagens repetidas, perpetuadas na retina fadada ao cansaço, tanto que tomam cores artificiais, os olhos vidrados, vitrálicos. A armadura formada, firmada, está mantida em máquina, o vulnerável espírito e corpo humano.
Repentinamente, vieram as torres, são altos emaranhados de ferro, com pontas finas para espetar nuvens e fazer chover, isso acontece se por um acaso cruza o céu um cometa tempestuoso. Donde caem raios revoltosos, prontos a atacar o aço e metal, em toques extremos! Ouve-se sinos, gritantes, e logo começar a se debater a velha mente juvenil, e a atordoada melancolia é sobrepujada às engrenagens antigas, e estas convertem-se em veias e sangue. É cruel o imposto esforço maquinário, estourando os tecidos naturais, apertando entranhas que intensificam vontade de expansão. Enquanto os raios caem, ocorre um lapso mental, os olhos viram e reviram, resistentes, deixando cair os parafusos enferrujados, expulsando-os. As íris tomam forma e cor, prateadas, esbanjam as energias celestes e mostram fúria calída como chuva morna, e as escorridas lágrimas multidimensionais corroem o aço histérico. Há força e chamas nos pedaços de tecido da placenta enevoada e acordada pela batida em tom de nota sol, em solo metálico. Movem-se as curvas não robóticas no corpo estremecido, os olhos se voltam ao céu e as nuvens cor de lua estão sendo fadadas, dão lugar à uma fumaça tóxica. O ser fragilizado, renovado, se debate em seus azuis, desesperado, ferindo-se, as porcas e parafusos injetados agem como ácido na pele fina. Não é mais máquina?

As tempestades não se eternizam, mesmo sob a força dos deuses celestes, os raios se esvaem, e desejo de olhar o horizonte espanta-se. Está detido às telas novamente. Espera-se, porque está sempre a esperar um escrúpulo, o tempo, em que em alguma dimensão nos buracos negros possam envolvê-lo com as chuvas. As máquinas não sabem sentir, sabem-no repetir. Repetir a mesma matéria morta dos motores, destino fulminante de existência escravizada.
[C.V]

domingo, 3 de novembro de 2013

NUVEM NEGRA



Por vezes abandonamos-nos em um caminho. Deixa-se a si mesmo. Como se houvesse em nós algo a se chamar de casa. E o desterro não constituísse uma condição dos nossos pés. Pés, que pela pressão atmosférica primeiro envelhecem. Logo, e não demora, para que todo o resto o siga. As memórias, penduradas por um fio fino neural, reluzente, podem não mais estar em um milésimo da métrica do tempo.
As vezes damos conta de que a vida é um sopro. É quando as nuvens escurecem que me ocorre. Esse céu tingido escuro, de cinza colossal, como face de uma consciência adulta amuada, que juntou grão a grão os ocorridos passados. Lembra-se da morte fria, desassistida por outros, mas pelo difunto premedito esperada, desejada ao ponto de negar ar aos pulmões, como que desaprendendo por conta a tradição  da espécie, quando nos foi dito a sugar ar como vida. Recorda. Do trabalho exausto no mangue, com os braços atolados na lama, respirando com tamanha voracidade e tão perto da umidade barrosa que lhe sujam as narinas. Fato análogo, outros humanos sujam suas narinas, de sangue. Imagina cada detalhe. O corpo aberto ao meio, às mãos cobertas com luva plástica, manchas de sangue seco, a invadir as entranhas, puxando em um solapo o coração, como se extrai uma pedra brilhante da terra. Entre os dedos o maço de carne se debate como um peixe. O uniforme que o contempla tem também, brilho, nos olhos. Contudo, são brilhos diferentes no coração reluz a vida, nos olhos vidros a morte, o ganho, o sague lucro. Sem muito esforço se conclui: cada animal é um coração. E se assim o é, temos uma manha de azul límpido. Um coração peixe esta preso na praia. Toda a energia do seu corpo aquático se concentra em um debater-se. Irrompe o ar em salto alguns segundos, instante onde é criatura de todos os planos, da água, da terra e ar. Nessa eufória suas escamas descarnam, desfigurando-o, a pele desprotegida queima ao sol, os olhos úmidos, sujos de areia pontiaguda, lhe marcam as retinas. E a umidez dos olhos que aumenta na tentativa de espusar os grãos seria vista por alguém de fora como choro. Num impulso ultimo força um pulo, vai voltar ao mar? - Não. Uma bota infantil o pisa. Vira-o do avesso. Os olhos outrora contraídos, esbugalham. As algas amarelas semi digeridas precipitam pelo nariz. - É domingo, as crianças vem brincar na areia. Mais tarde alguém reclama. A areia esta suja. Tem cheiro de peixe podre.  Morte, mãos, coração e peixe encadeiam-se em descasos. As nuvens carregadas de um escuro denso desabam.
        Em fúria os trovões gritam aos quatro cantos, meio sem alvos, caem aleatrorios, e desse acaso acabam por formar arvores de luz no céu. A chuva vem primeiro como um pranto de mãe em luto, ininterrupto, com gotas subquaticas, quente torrente tropical.. Transformam-se logo, em soluços resentidos de criança, frutos daquela linha fina onde não se sabe se ainda quer chorar, chover. Os carros, guiados, por homens e motores , que se imitam, firmemente fundidos em maquina, de ferro, plastico, sangue e apátia. Seguem juntos nas costas de um dragão asfáltico. Aceleram para fugir da absurda verdade. O barro e a água correm em uma fina camada, uma folha de liquido turvo, onde se pinta o vaivém sem sentido das ruas.