Já eram duas da madrugada. Na cabeça a ideia da semana manifestou-se.
Como fazem as verdadeiramente boas, insanas, nascidas de alguma profundeza
borbulhante. Eram duas, as horas, cinco, as noites, e um, o amor. As horas
persistem. Eis que essa é sua natureza, domar a matéria, compô-la em sistemas,
obriga-la à articulação. Ventura e desventura do tempo. Pois que cada relação,
cada choque, mínimo que seja entre dois produtos – dois temperos, dois átomos, dois
corpos... – será a explosão revolucionária de uma transformação, multiplicada
em escala crescente, diversificada em cada caso. E por mais que o tempo cumpra
a contenção, nunca poderá reder sua antítese: jogo uma pena no vento, ela dança
de forma única, irrepetível; encontro uns olhos doces, beijo-os, vivo-os,
partem, mas não me deixam, nem ir, nem vir, tiram-me da matéria, raptam do
tempo. É então que os relógios se zangam da sua sina.
Os dias empilharam-se, cinco, fielmente contatos, como bem aconselha o relógio.
Também repetiram-se, sistemáticos, como sonhou o senhor do destino. Contudo,
ainda assim dispostos, gestavam, lá no fundo, uma ideia, talvez mais, algo sem
nomenclatura. Fora os últimos cinco dias vividos. Tudo culpa do primeiro que
cedeu ao acaso e apresentou, com injuria, uma criatura que podia abri-me o
peito. Foi uma dessas manhas em que os raios do sol gelam, fazendo o orvalho
perdurar horas a fio, onde as folhas caem contadas para pintar a terra
somando-se a cor azul que escorre o horizonte, tinge as montanhas, casa-se com o
oceano, e nesse caso, banha corpo e alma, desse meu encanto. Eram o azul, o
orvalho e o sol fresco a chave que trouxera aquela mão. Dispôs entre minhas
costelas, girou-a, tremeu meu coração, deu-lhe corda, equalizou, um som de dia,
que não eram mais dias, e logo, nunca mais poderia vir a ser. Vieram depois
outras feiras, terças e quartas. Nelas neguei-me retamente a admitir que desconhecesse
o clausuro do tempo. No fim da quarta, que a essa altura confundirá com a quinta
e desejei ser sexta, aceitei a ideia que amava-a. Disse tudo ao tempo, que se
apressou a conduzir seus ponteiros, articular as horas, determinando os
limites. Risos. O som do primeiro eu te amo humano ainda ecoa no universo, sabe-se
lá onde ira parar, vai que seja o espaço curvo mesmo, a declaração rebatera na
história, e estará comovendo um coração nosso nesse exato momento. Fato é que o
tempo viu a fervura das minhas ideias. Que poderia fazer! Quem poderia!
Foi o ultimo dia a que me dei conta, uma sexta feira, quando os
ponteiros tiquetaquearam duas da madrugada. Era mesmo tarte, já era denominado
pela ânsia de ama-la mais, de vivê-la inteira, amaldiçoei o tempo que quisera
estacar meu peito em fogo. Rolei, chorei sorrindo, enlouqueci. Sufoquei-me em seu
perfume, morri das imagens do mundo, ceguei-me para os reflexos, adormeci para
nunca mais voltar ao controle das horas. Quando meu peito transbordou, veio viva
a sua figura, dançou comigo, encontramos os lábios, depois os corpos, fomos
barcos a deriva num beijo.
[L.B]
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