sexta-feira, 2 de maio de 2014

NOITES DE OUTONO

As folhas, agora um pouco mais verdes, apararam o vento quente, como dedos a acenar, dão adeus continuo para a luz refletida que viaja o universo, ao mesmo tempo em que bem-vindão os olhos, o instante e poesia.  Seria o vento um motivo a escrever? Por que escrevo? Escrevo sem motivo! Aparente. Afinal o que é o aparente se não um artifício, uma ilusão retórica. Risco as páginas porque em algum momento, no escuro de uma caverna, dedos sujos de sangue marcaram a pedra e a memória nasceu mais carne e osso que os corpos. De carvão eletrônico sujo o branco, porque minha cabeça está cheia, de matéria orgânica, de impulso elétrico e por extensão, de memória, saudade... Essas verdades mudas, que à revelia dos padrões médicos, endereçamos ao coração. 


Sopra tão forte o vento, que a folha se desprende, lançada a queda livre. Aquilo é a vida da folha, uma força que a desprende. A vida é um salto. Estar encontrado é como morrer dos detalhes, dos sonhos e dos vendavais que guardam a infinitude. Aquilo que habita tanto o cristal de areia, quanto as massas estrelares. Porque tudo é grão a depender do quanto se afasta. E tudo é infinito se te comove. Comover-se nos detalhes e nos astros, modificar-se neles. Não somos mais que o fruto da interação com as formas, com os traços, cores e vibração. Não sou mais que morada da flor silvestre. Aeroplano dos aromas da primavera. Conjuro de querê-la...
A folha deita sobre o chão. Aparada na terra, mansa, canção de dois compassos, cálido, cálido... No encontro a paz se forma. O mistério enérgico, singular e sublime. Um desafio à lógica, porque dois, folha e chão, figuram uma só paisagem – marrons úmidos de outono. Similares, diluídos no mesmo som de vento. Extensões de fibras nervosas, raízes, barro que gruda, molduras da existência...  [L.B]


Nenhum comentário:

Postar um comentário