NOITES DE OUTONO
As folhas,
agora um pouco mais verdes, apararam o vento quente, como dedos a acenar, dão
adeus continuo para a luz refletida que viaja o universo, ao mesmo tempo em que
bem-vindão os olhos, o instante e poesia.
Seria o vento um motivo a escrever? Por que escrevo? Escrevo sem motivo!
Aparente. Afinal o que é o aparente se não um artifício, uma ilusão retórica.
Risco as páginas porque em algum momento, no escuro de uma caverna, dedos sujos
de sangue marcaram a pedra e a memória nasceu mais carne e osso que os corpos. De
carvão eletrônico sujo o branco, porque minha cabeça está cheia, de matéria
orgânica, de impulso elétrico e por extensão, de memória, saudade... Essas
verdades mudas, que à revelia dos padrões médicos, endereçamos ao coração.
Sopra tão
forte o vento, que a folha se desprende, lançada a queda livre. Aquilo é a vida
da folha, uma força que a desprende. A vida é um salto. Estar encontrado é como
morrer dos detalhes, dos sonhos e dos vendavais que guardam a infinitude.
Aquilo que habita tanto o cristal de areia, quanto as massas estrelares. Porque
tudo é grão a depender do quanto se afasta. E tudo é infinito se te comove. Comover-se
nos detalhes e nos astros, modificar-se neles. Não somos mais que o fruto da interação
com as formas, com os traços, cores e vibração. Não sou mais que morada da flor
silvestre. Aeroplano dos aromas da primavera. Conjuro de querê-la...
A folha deita
sobre o chão. Aparada na terra, mansa, canção de dois compassos, cálido, cálido...
No encontro a paz se forma. O mistério enérgico, singular e sublime. Um desafio
à lógica, porque dois, folha e chão, figuram uma só paisagem – marrons úmidos
de outono. Similares, diluídos no mesmo som de vento. Extensões de fibras
nervosas, raízes, barro que gruda, molduras da existência... [L.B]
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